Doc. N° 2043
Direção: Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo e Dr. Harald Hülskath © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
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Contextos lombardo-provençais à luz dos estudos transatlântico-interamericanos Reflexões em Embrun pelo Ano França-Brasil 2005
Em vários eventos e publicações da A.B.E., pesquisadores e estudiosos da cultura brasileiros salientaram similaridades e vínculos histórico-culturais que permitiriam elucidar certas expressões tradicionais do Brasil. Elos culturais com o sul da França poderiam ser detectados em folguedos de fundamentação religiosa, na arte trovadoresca e em certas formas de religiosidade. Nesse sentido, estabeleceu-se um intercâmbio de pesquisadores e instituições. Etnólogos e estudiosos da história religiosa provençal realizaram pesquisas no Brasil e participaram de congressos. Uma das principais promotoras desse intercâmbio tem sido a antropóloga Dra. Julieta de Andrade.
No âmbito do ano França-Brasil de 2005 da A.B.E., pareceu ser significativo revitalizar esses estudos in loco, agora sob a perspectiva dos trabalhos em andamento dedicados à interação de processos transatlânticos e interamericanos. O objetivo principal das reflexões foi o de contribuir para um aprofundamento e uma diferenciação maior das considerações relativas à história cultural sul-francesa nas hipóteses já levantadas e nos estudos comparativos brasileiros. Procurou-se aguçar a atenção para a complexidade das correntes culturais na região desde a Antiguidade e suas interações. Escolheu-se, para esses estudos, a cidade de Embrun. Devido a sua localização, foi desde a Antigüidade importante centro nas vias de comunicação entre regiões italianas e o sul da França e Espanha, tornando-se capital dos Alpes no império romano. A importância de Embrun na história da Igreja, sede de bispado já no século IV (S. Marcelino) e posteriormente arcebispado, foi também determinada pela sua situação geográfica (caminho de Santiago de Compostela). A sua catedral, primeiramente construída entre 810 e 826 com o auxílio de Carlos Magno e destruída pelos sarracenos, foi reconstruída entre 1170 e 1220. Hoje, apresenta-se como um edifício monumental que manifesta arquitetônicamente a confluência de estilos lombardos/italianos e provençais na sua construção. Entretanto, aspectos simbólicos parecem ter desempenhado o papel mais relevante na constituição de Embrun como centro religioso de extraordinária importância da Idade Média até a Revolução Francesa. Dois são os principais contextos teológico-culturais que devem ser salientados no estudo da Catedral de Notre Dame du Réal, um relacionado com a devoção mariana, outro com a Epifania. A própria denominação da cidade parece indicar a sua origem terminológica em função de sua situação geográfica, uma vez que a cidade velha está localizada às margens do Durance (Ebr= água) em elevação rochosa (Dunum). Tanto a água quanto a rocha e o monte possuem conotações simbólicas claramente marianas. Como centro da piedade popular, porém, Embrun adquiriu extraordinária importância mediterrânea e intereuropéia sobretudo pelo seu portal do Réal, onde havia até a Revolução Francesa uma representação dos três Reis Magos considerada como miraculosa.
As reflexões se dirigiram aos elos existentes entre a Adoração dos Reis e a devoção mariana, evidentes na identidade religioso-cultural de Embrun. Sob o ponto de vista dos estudos culturais transatlântico-interamericanos, salientou-se a importância das expressões relacionadas com os Três Reis Magos no Brasil, já numerosas vezes estudadas em eventos da A.B.E. Tem-se procurado, até hoje, nos estudos de brasileiros que se dedicam a aprofundar as análises de significado dessas expressões culturais, relacioná-los com o culto das relíquias dos Reis Magos conservados na catedral de Colonia, tendo sido essa cidade e o seu relicário para isso várias vezes visitada. A questão que sempre se levantou foi a dos caminhos que permitiriam explicar a importância desse centro de peregrinação medieval para o sul da Europa, a Península Ibérica e, daí, para as regiões transatlânticas. Até hoje não se atentou à importância da Embrun como centro de devoção aos Três Reis Magos no caminho mediterrâneo de ligação entre a Lombardia e a península sede da Jerusalem do Ocidente, ou seja, de Santiago de Compostela. Esse caminho histórico-cultural parece ser muito mais plausível para elucidar a transmissão de determinadas características da devoção dos magos do Oriente na religiosidade ibérica e latino-americana.
Nas reflexões, salientou-se a importância simbólica das concepções, do número três dos magos, relacionados com concepções trinas do Homem e das etnias na Antiguidade, do fato de terem sido magos, ou seja, estudiosos e cientistas, do fato de serem reis, ou seja, de terem encontrado a Sabedoria e, assim, recuperado a coroa perdida por Adão. Concepções antropológicas e etnológicas de antigas origens, expressas em imagens e símbolos, transferiram-se ao Ocidente, e daí às regiões transatlânticas, passando por Embrun. Estudos de Folias de Reis, Reisados, Reiadas e outras expressões culturais da tradição lúdica vinculada com o ano religioso do Brasil deverão, no futuro, considerar mais pormenorizadamente os caminhos mediterrâneos que elucidam a difusão de concepções e imagens.
A.A.B.
Observação: o presente texto oferece apenas um relato suscinto de eventos, estudos e projetos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu conteúdo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).