Estudos das interações entre processos culturais transatlânticos e interamericanos não podem ser realizados sem a consideração de contextos mediterrâneos. Por essa razão, a A.B.E. decidiu realizar, em 2005, uma série de sessões de trabalhos em países do Mediterrâneo destinados a refocalizar os seus estudos na área em vista do projeto respectivo.

Os estudos culturais mediterrâneos não foram apenas considerados sob o ponto de vista dos fundamentos da cultura transplantada ao Novo Mundo na época dos Descobrimentos e no período subseqüente da colonização. Procurou-se também refletir acerca das influências recíprocas, ou seja, da ação de figuras e processos americanos, em especial brasileiros, na história da Europa dos últimos séculos.

No primeiro caso, já considerado sob diferentes aspectos em eventos e publicações, os processos culturais, em geral a serviço da conquista, da colonização, da expansão e da defesa do império colonial, assumem evidentemente uma dimensão política. No segundo caso, porém, também se constata uma interligação entre a história cultural e a história política.

Um dos exemplos mais significativos desse fato diz respeito à história das relações entre a Itália e o Brasil e isso justamente referente a momentos históricos do século XIX de decisiva importância na formação de nacionalidades em ambos os países. Por essa razão, a A.B.E. decidiu realizar uma série de trabalhos relacionados com os elos histórico-político-culturais das duas nações centralizados no vulto de Giuseppe Garibaldi e de sua esposa, a brasileira Anita Garibaldi. Uma dessas sessões de trabalhos foi realizada in loco no Museu Garibaldi de Cabrera, na Sardinha.

As atenções foram dirigidas à situação atual dos estudos relacionados com Giuseppe Garibaldi (1807-1882), figura relevante do Risorgimento italiano, um dos vultos da história política da Europa que mais se relacionam com o Brasil, uma vez que viveu no país e no Uruguai de 1835 a 1848, antes de seu retorno à Itália, ou seja, em anos decisivos para a formação de seus ideais. Depois da proclamação da república romana, afastou-se novamente para terras americanas. Retornando em 1853, passando a viver na ilha de Caprera. A sua casa, de campo, ampla, mas austera e singela, é hoje museu nacional, ali se encontrando também o túmulo da família.

Os estudos garibaldinos não podem se limitar à figura, ao pensamento e às ações de G. Garibaldi e de suas conseqüência para a Itália e para as suas relações com outros países europeus. Não podem se restringir apenas a assuntos histórico-políticos italianos. Devem incluir análises do extraordinariamente complexo conjunto de elos e de redes dos dois lados do Atlântico, de seus vínculos com situações do Sul do Brasil e dos problemas decorrentes da situação limítrofe de esferas de formação lusitana e espanhola nas Américas. Assim focalizados, os estudos garibaldinos podem contribuir para a elucidação de questões relacionadas com estudos de colonização e migração italiana, em particular naqueles referentes ao Rio Grande do Sul. Sob esse aspecto, os trabalhos em Caprera deram continuidade, na Europa, a trabalhos anteriores dedicados ao tema no Brasil, entre outros em Caxias do Sul, como relatado num dos primeiros cadernos desta revista.

Considerando-se os estudos garibaldinos sob essa ampla perspectiva transatlântico-interamericana, as atenções se concentram em Anita Garibaldi (Ana Maria de Jesus), figura de extraordinário interesse para os estudos interculturais. Em 2003, no âmbito de evento realizado em Roma, realizou-se um ato simbólico na estátua que apresenta essa brasileira como combatente pelos ideais da nação italiana e que faleceiu em Ravena, em 1849. O interesse internacional por Anita Garibaldi, já despertado em 1994 pelo livro "Anita, Anita", de Dorothy Bryant, foi agora revitalizado na Europa Central pelo lançamento de um romance de Gloria Kaiser, editado em 2001.

A personalidade, a vida e as atividades de Anita Garibaldi são de interesse para os estudos culturais sob vários aspectos. São, por exemplo, relevantes para os estudos relativos à mulher, para os estudos de gênero em geral, e, sobretudo, para as análises de questões de identidade e hibridismo.

Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).