Doc. N° 2031
Direção: Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath e Curadoria Científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
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Contextos euromediterrâneos Pensamento muso-teórico na história e diálogo de culturas e religiões Ciclo de estudos
O ano de 2005 vem sendo marcado pelos trabalhos, eventos, cursos e viagens de contactos e observações do projeto Transatlântico da Academia Brasil-Europa. Nesse projeto, procura-se analisar interações entre processos culturais interamericanos e transatlânticos, superando-se certas limitações e perspectivas laterais no interamericanismo e nos estudos transatlânticos e adaptando-os às novas situações das relações internacionais e dos estudos teóricos. Com o intuito de intensificação da cooperação intelectual de ambos os lados do Atlântico, realizaram-se, como relatado em número anterior desta revista, entre outros eventos, encontros preliminares nos Estados Unidos e em vários países do Caribe. A nova fase dos trabalhos passou a ser dedicada primordialmente a estudos de fundamentos e pressupostos culturais e filosóficos das relações transatlânticas. Nesse contexto, deu-se particular atenção a processos culturais intereuropeus na fase anterior à era da expansão européia. Entre os complexos particularmente considerados salientam-se aqueles que tiveram lugar na área do Mediterrâneo desde a Antiguidade tardia, sobretudo nas suas relações com o Oriente e a África do Norte e nas suas irradiações na Europa Central.
Para a realização desses estudos, a A.B.E. realizou, em cooperação com a Universidade de Colonia, um seminário dedicado à história do pensamento teórico na Idade Média, com especial consideração de aspectos relacionados com o confronto e o diálogo de culturas e religiões. Procurou-se, aqui, salientar o significado de estudos da Medievalística como base dos estudos culturais no âmbito transatlântico e interamericano. A viagem incluiu sessões dedicadas à arqueologia e à etnografia em contextos mediterrâneos. O programa, denominado de Savoia-Piemonte, deverá ter continuidade no decorrer de 2005.
O curso e ciclo de debates foi completado por uma viagem de representantes da A.B.E. ao Instituto Euromediterrâneo, na Sardegna, de fundação relativamente recente. O objetivo desse encontro foi sobretudo o de estabelecer cooperações institucionais e intercâmbio numa área que tem constituído preocupação constante da A.B.E. no âmbito do seu programa de estudos mediterrâneos.
Nos debates, partiu-se da discussão do conceito de Teoria e de questões histórico-metodológicas relacionadas com a periodização. Levantou-se a necessidade de superação da perspectiva convencional, eurocêntrica, no estudo histórico. Salientou-se a importância da consideração histórica em contextos globais, sobretudo a importância do Oriente e do Ecumenismo da Antiguidade tardia na história ocidental, o significado de uma focalização particular do desenvolvimento diferenciador do Cristianismo do Ocidente e do Oriente, da história missionária, das relações com os judeus e com o Islão. Sob essa perspectiva, os estudos medievais assumem atualiade e significado também para os estudos contemporâneos das relações transatlânticas e interamericanas. O estudo não se realizaria, assim, tanto com a finalidade de análise dos fundamentos teóricos e espirituais da cultura ocidental, transplantada para o Novo Mundo, como convencionalmente se faz, mas sim com o objetivo de análise dos fundamentos teóricos e espirituais do diálogo de culturas e religiões, de interesse global e de premente relevância. Particular atenção foi dada aos principais mediadores e transmissores do edifício teórico da Antiguidade à Idade Média ocidental, entre eles Boethius, Cassiodorus, Augustinus e Ambrosius
Em primeiro lugar considerou-se a personalidade e a obra de Anicius Manlius Severinus Boethius (Roma, ca. 480 - prov. Milão, 524), o grande pensador da época das grandes migrações intereuropéias, de formação fundamentada tanto na cultura clássica helênica como na cristã, representante de uma era de relativa tolerância e florescimento cultural em Ravena, vítima, por fim, da mudança da situação político-cultural. A obra de Boethius, cujo significado está sendo cada vez mais salientado em várias áreas de estudos, pareceu ser de fundamental importância nos trabalhos pelo sua função mediadora de edifícios teóricos platônicos e aristotélicos. Considerou-se em particular a obra De consolatione philosophiae. Nos estudos dedicados aos escritos boethianos relativos ao Quadrivium, considerou-se sobretudo o De institutione musica. Aqui, salientou-se a noção de música como "instrumentum philosophiae". Para Boethius, em continuidade a antiga tradição, o estudo da música leva à pesquisa espiritual-racional das relações numéricas, aguçando assim a capacidade de pensar e elevando a alma à esfera do Ser verdadeiro; somente a música, devido a sua perceptibilidade através dos sentidos, estaria assim em condições de agir duplamente do ponto de vista ético.
Outro autor primordialmente considerado foi Flavius Magnus Aurelius Cassiodorus (ca. 485-ca.580), personalidade que bem representa processos interculturas, uma vez que descendia de família síria estabelecida na Calábria. Sucessor de Boethius como Magister officiorum em Ravena (523), passou do estudo de assuntos humanos a àquele de assuntos religiosos, fundando o mosteiro Vivarium, importante etapa na história do monaquismo ocidental. No decorrer da história, as suas obras foram difundidas a partir de Vivarium no Norte da Itália, sobretudo em Verona, na Espanha, Irlanda e Britânia, daqui pelo continente, sendo utilizadas nas escolas conventuais da Renascença carolíngia.
Aurelius Augustinus surge como vulto máximo de um contexto cultural mediterrâneo que abrange o Norte da África (Numidia 354, Hippo Regius 430). Tendo realizado estudos em Madaura e Cartago, tornando-se aqui mestre de retórica, atuando em Roma desde 383, onde passou a se dedicar mais à filosofia sob a influência de Cicero, Augustinus teve contacto com as grandes correntes filosóficas e religiosas de seu tempo, com tendência neoplatônicas e maniqueístas, convertendo-se ao Cristianismo sob a influência de Ambrósio. Salientou-se, na consideração de Augustinus, sobretudo a importância de uma redescoberta e de estudos aprofundados de concepções de um cristianismo influenciado pelo neoplatonismo. Com relação à questão da violência ou da guerra religiosa, seria necessário um reestudo crítico da concepção da história como história salvífica, na qual ocorre a luta entre o estado divino e o estado mundano, entre a comunidade daqueles que se deixam orientar pelo amor de Deus e a daqueles que se movem segundo a própria vontade egoísta, uma concepção que futuramente continuaria marcando a história cultural da expansão européia.
Com relação a Ambrosius, salientou-se o seu caminho intereuropeu, uma vez que nasceu em posto afastado do império romano, em Trèves/Trier (ca. 340), na fronteira da atual Alemanha com a França, tornando-se bispo de Milão. Salientou-se a importância da consideração de textos básicos da hermenêutica bíblica para o estudo da história do pensamento teórico do Ocidente e de suas extensões nas Américas. Particular atenção foi dada a Ambrosius na história do canto estrófico e do repertório hínico. O trabalho relativo a Ambrosius baseou-se em estudos anteriores e deverá ser prolongado em considerações in loco em Milão.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).